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Cartilha n 56 - Caderno de Formação Subsídios para estudo da conjuntura 2022 - 24jan22

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Caderno de Formação nº 56
“ SubSídioS para eStudo da 
conjuntura 2022”
2
ExpEdiEntE
O Caderno de Formação nº 56 - “ Subsídios para estudo da 
conjuntura 2022, é uma publicação do Setor de Formação do MST. 
 
Diagramação: Secretaria Nacional
 
Secretaria Nacional / Setor de Formação 
(11) 2131-0850
Alameda Barão de Limeira 1232 - Campos Elísios 
01202-002 - São Paulo - SP 
secgeral1@mst.org.br
São Paulo — Janeiro 2022
3
Sumário
1. Tópicos da conjuntura internacional 
 — Vijay Prashad...........................................................................................05 
 
2. Elementos para una Análisis de Coyuntura politica 
 de las Americas - Alba Movimientos ...................................................11 
 
3. Colapso socioambiental ou mudança de civilização. 
 O decênio decisivo 
 — Luiz Marques ...........................................................................................21 
 
4. Ecossocialismo 
 — Michael Löwy ............................................................................................41 
 
5. Medidas para defender a vida no planeta terra e 
 melhorar as condições de vida do povo ............................................53 
 
6. Notas de conjuntura econômica 
 — Guido Mantega ......................................................................................57 
 
7. Análise da conjuntura política 
 — Miguel Enrique Stedile ........................................................................61 
 
8. Agronegócio: o modelo do capital para controlar 
 os bens da natureza e a agriculltura brasileira
 — João Pedro Stedile ..............................................................................67 
 
9. Anexo: concentração dos 10 maiores grupos empresariais 
 brasileiros - 2020. Revista Valor Econômico ..................................79 
4
5
Tópicos da conjunTura 
inTernacional*
— Vijay Prashad —
1. 
* Instituto Tricontinental de Pesquisa Social / 30 de dezembro de 2021
6
i- agridoce é a passagem desTe ano 
 Houve algumas vitórias imensas e algumas derrotas ca-
tastróficas, a mais terrível sendo o fracasso dos países do Norte 
Global em adotar uma atitude democrática para enfrentar a pan-
demia de Covid-19 e criar acesso equitativo a recursos essenciais, 
de equipamentos médicos salvadores a vacinas. Tragicamente, 
ao final desta pandemia, teremos aprendido o alfabeto grego das 
variantes nomeadas após suas letras (delta, omicron), que conti-
nuam a surgir.
 Cuba lidera a lista das maiores taxas de vacinação do 
mundo, usando seus imunizantes nacionais para proteger sua 
população e também a de outros países – da Venezuela ao Viet-
nã -, dando continuidade a uma longa história de solidariedade 
na área da saúde. Os países com as menores taxas de vacinação 
– atualmente liderados por Burundi, República Democrática do 
Congo, Haiti, Sudão do Sul, Chade e Iêmen – estão entre os mais 
pobres do mundo, dependem de ajuda externa, pois seus recur-
sos são essencialmente roubados, ao serem adquiridos a preços 
absurdamente baixos por empresas multinacionais. Com apenas 
0,04% dos 12 milhões de habitantes do Burundi vacinados até 15 
de dezembro de 2021, se seguir com essa taxa atual de vacinação, 
o país alcançaria apenas 70% de cobertura em janeiro de 2111.
 Em maio de 2021, Tedros Adhanom Ghebreyesus, chefe 
da Organização Mundial da Saúde, disse que “o mundo está em 
um apartheid vacinal”. Poucas coisas mudaram desde então. No 
final de novembro, a co-diretora de entrega de vacinas da União 
Africana, Ayoade Alakija, disse sobre o surgimento da ômicron na 
África Austral: “o que está acontecendo agora é inevitável. É o 
resultado do fracasso mundial em vacinar de maneira equitativa, 
urgente e rápida. É o resultado da acumulação [de vacinas] por 
países de alta renda em todo o mundo e, francamente, é inacei-
tável”. Em meados de dezembro, Ghebreyesus nomeou Alakija 
como Enviada Especial da OMS para o Acelerador de Acesso a 
Ferramentas para a Covid-19. Sua tarefa não é fácil, e seu objetivo 
só será alcançado se, como ela disse, “uma vida em Mumbai im-
portar tanto quanto em Bruxelas, se uma vida em São Paulo for 
7
tão importante quanto uma vida em Genebra, e se uma vida em 
Harare for tão importante quanto em Washington DC”.
 O apartheid vacinal é parte de um problema mais amplo, 
o apartheid sanitário, um dos quatro apartheids de nosso tem-
po, os outros sendo o alimentar, o financeiro e o educacional. 
Um novo relatório da Organização das Nações Unidas para Ali-
mentação e Agricultura (FAO) afirma que a população de pesso-
as subnutridas na África aumentou em 89,1 milhões desde 2014, 
chegando a 281,6 milhões em 2020. Vale a pena considerar a per-
gunta de Alakija sobre a humanidade, sobre o valor atribuído a 
diferentes seres humanos: pode uma vida em Harare ser tão va-
lorizada quanto uma vida em Washington? Podemos nós, como 
povos, superar esses apartheids e resolver os problemas elemen-
tares enfrentados pelas pessoas de nosso planeta e acabar com 
as formas bárbaras com que o atual sistema econômico e político 
tortura a humanidade e a natureza?
 Uma pergunta como essa soa ingênua para aqueles que 
se esqueceram do que significa acreditar em algo – se não na 
própria ideia de humanidade, pelo menos na Carta das Nações 
Unidas (1945) e na Declaração dos Direitos Humanos das Nações 
Unidas (1948). A Declaração nos exorta, como povo, a nos com-
prometermos em defender a “dignidade inerente” uns dos ou-
tros, um padrão que entrou em colapso desde que os chefes de 
governo assinaram o texto final.
 Apesar desses apartheids, vale a pena destacar alguns 
avanços da humanidade:
1. O povo chinês erradicou a pobreza extrema, com quase 100 
milhões de pessoas saindo da miséria absoluta nos últimos oito 
anos. Nosso primeiro estudo da série “Estudos sobre o socialis-
mo em contrução”, intitulada Servir ao povo: a erradicação da 
pobreza extrema na China, detalha como esse feito notável foi 
alcançado.
2. Os agricultores indianos lutaram bravamente pela revogação 
de três leis que ameaçavam uberizar suas condições de traba-
lho e – após um ano de luta – eles venceram. Essa é a vitória 
trabalhista mais significativa em muitos anos. Nosso dossiê de 
junho, A revolta dos agricultores na Índia, catalogou a luta pela 
terra na Índia e a militância dos agricultores na última década.
8
3. Governos de esquerda chegaram ao poder na Bolívia, Chile e 
Honduras, derrubando uma história de golpes e mudanças de 
regime nesses países que vão de 1973 (Chile) a 2009 (Hondu-
ras) a 2019 (Bolívia). Um ano atrás, nosso dossiê de janeiro, 
Crepúsculo, abordou a erosão do controle dos Estados Unidos 
sobre os assuntos globais e o surgimento de um mundo multi-
polar. O fracasso dos Estados Unidos em atingir seus objetivos 
nesses países e em derrubar a Revolução Cubana e o proces-
so revolucionário venezuelano por meio de guerras híbridas é 
um sinal de grande possibilidade para os povos do hemisfério 
americano. As tendências mostram que em 2022 Lula deverá 
derrotar quem for o candidato da direita no Brasil, encerrando 
a atrocidade do governo de Jair Bolsonaro. Nosso dossiê de 
maio, Os desafios da esquerda no Brasil, é um bom lugar para ler 
sobre os dilemas políticos no maior país da América Latina.
4. Uma crescente onda de insatisfação no continente africano 
contra a crescente presença militar dos Estados Unidos e da 
França encontrou expressão na cidade de Kaya, oeste de Burki-
na Faso. Quando um comboio militar francês passou perto da 
cidade em novembro, uma multidão de manifestantes o dete-
ve. Os franceses lançaram um drone de vigilância para monito-
rar a multidão. Aliou Sawadogo (13 anos) abateu o drone com 
seu estilingue, “um Burkinabé David contra o Golias francês”, 
escreveu Jeune Afrique. Nosso dossiê de julho, Defendendo 
nossa soberania: bases militares dos EUA na África e o futuro da 
unidade africana, foi co-publicado com o Movimento Socialista 
do Grupo de Pesquisade Gana e acompanha o crescimento da 
presença militar ocidental no continente.
5. Vimos greves de trabalhadoras de cuidados de todos os tipos 
em todo o mundo, desde profissionais de saúde a trabalhado-
ras domésticas. Essas trabalhadoras foram duramente atingi-
das pela crueldade do neoliberalismo e pelo que chamamos 
de CoronaChoque. Mas essas trabalhadoras se recusaram a se 
acovardar, recusaram-se a perder sua dignidade. Nosso dossiê 
de março, Desatando a crise: o trabalho de cuidado em tempos 
de coronavírus, fornece um mapa das pressões que pesam so-
bre esses trabalhadores e abre uma janela para suas lutas.
 Claro, esta não é uma lista exaustiva. São apenas algumas 
das referências do progresso. Nem todo avanço é bem definido. 
9
Depois de vinte anos, os Estados Unidos foram forçados a final-
mente se retirar do Afeganistão, pois perderam a guerra para o 
Taleban. Nenhum dos objetivos dos Estados Unidos para a guerra 
parece ter sido alcançado e, no entanto, continua a ameaçar de 
fome este país de quase 39 milhões de habitantes. Os Estados 
Unidos impediram o Afeganistão de acessar seus 9,5 bilhões em 
reservas externas que estão em bancos estadunidenses e impe-
diram o governo afegão de assumir seu lugar no sistema da ONU. 
Como consequência do colapso da ajuda externa, que represen-
tou 43% do PIB do Afeganistão no ano passado, o Programa de De-
senvolvimento da ONU calcula que o PIB do país cairá 20% neste 
ano e 30% nos anos seguintes. Enquanto isso, o relatório da ONU 
estima que até 2022, a renda per capita do país pode cair para 
quase metade dos níveis de 2012. Estima-se que 97% da população 
ficará abaixo da linha da pobreza, sendo a fome em massa uma 
possibilidade real neste inverno. Uma vida no Corredor Wakhan 
não é tão valorizada quanto uma vida em Londres. A “dignidade 
inerente” do ser humano – como afirma a Declaração das Nações 
Unidas – não é mantida.
 Esse não é apenas um assunto do Afeganistão. O recém-
-lançado World Inequality Report 2022 mostra que a metade mais 
pobre da população mundial possuía apenas 2% da propriedade 
privada total (negócios e ativos financeiros, depósitos, imóveis), 
enquanto os 10% mais ricos possuíam 76% do total da propriedade 
privada. A desigualdade de gênero molda esses números, uma 
vez que as mulheres recebiam apenas 35% da renda do trabalho 
em comparação com os homens que recebiam 65% (uma ligeira 
melhora em relação aos números de 1990, quando a participação 
das mulheres era de 31%). Essa desigualdade é outra forma de me-
dir a dignidade diferencial conferida às pessoas de acordo com a 
classe social e com as hierarquias de gênero e nacionalidade.
 
Para terminar...
 Em 1959, o poeta comunista iraniano Siavash Kasra’i escre-
veu uma de suas elegias, Arash-e Kamangir (Arash, o Arqueiro). 
Usando a mitologia popular da antiga batalha travada pelo herói-
co arqueiro Arash para libertar seu país, Kasra’i retrata as lutas 
anti-imperialistas de seu tempo. Mas o poema não é apenas sobre 
lutas, pois também nos faz pensar sobre as possibilidades:
10
Eu te disse que a vida é linda.
Dito e não dito, há muito aqui.
O céu claro;
O sol dourado;
Os jardins de flores;
As planícies sem limites;
As flores despontando na neve;
O suave balanço dos peixes dançando no cristal de água;
O cheiro de poeira varrida pela chuva na encosta da montanha;
O sono dos campos de trigo na primavera ao luar;
Para vir, para ir, para correr;
Para Amar;
Para lamentar pela humanidade;
E para se deleitar de braços dados com as alegrias da multidão. 
11
elemenTos para una análisis de 
conyunTura políTica de las 
américas*
— Alba MOVIMIENTOS —
2. 
* Construcción colectiva de los dirigentes de Alba Movimientos, 
4-5 deciembre 2021
12
i-¿cuáles son facTores comunes que expresan las 
esTraTegias de dominación y procesos de lucha en la 
región? 
1. Estamos en momento de crisis múltiple e interrelacionada del 
capitalismo con expresiones financieras, ambientales. Expresa 
una crisis civilizatoria en un contexto de transición geopolítica 
donde aparecen nuevos polos internacionales. La pandemia es 
una expresión más de la crisis y al mismo tiempo, causa de ace-
leración de algunas tendencias.
2. La disputa no se da ya en el plano bélico tradicional. Hay una 
generalización de guerra hibrida, con la utilización de los me-
dios y redes sociales, bloqueos y guerras económicas, estrate-
gias diplomáticas, manejo de la virtualidad, uso de las indus-
trias culturales, procesos de judicialización y criminalización a 
líderes políticos y sociales.
3. Se impone un nuevo paradigma tecnológico, que implica el co-
mercio electrónico, el teletrabajo que avanza sobre los dere-
chos de la clase trabajadora, la tecnología mediando todas las 
relaciones.
4. La crisis ecológica se ha acrecentado ante gestiones de gobier-
nos que no buscan alternativas en nuevas formas de produc-
ción, reproducción y consumo el sostenimiento de la quema y 
la destrucción de bosques y el desenfreno en la búsqueda de 
recursos en los países periféricos.
5. De acuerdo a CEPAL doscientos millones de personas viven en 
la pobreza. Las condiciones de crisis recaen mucho más sobre 
mujeres y jóvenes sometidos a mayor explotación. 
6. Fragmentación de la hegemonía norteamericana. Ante esto, 
EEUU se propone recrudecer su dominación sobre América 
Latina y el Caribe. Sus instituciones no generaron vacunas ni 
pudieron responder a los problemas intensificados a partir de 
la pandemia. Trata de monopolizar mercados tratando de que 
China no le dispute el control, y de controlar los países a partir 
de dos vías: una vía dinámica liderada por sectores neofascis-
tas articulados en la región a partir de la figura de Trump y una 
vía de concertación, al estilo de la cooptación cultural y diplo-
13
mática. La intención es aislar procesos revolucionarios, sobre 
todo con discursos sobre derechos humanos y democracia. 
7. El imperialismo se propone especialmente el aislamiento de 
Cuba, Venezuela y Nicaragua a través de discursos anclados en 
derechos humanos, democracia. En esta guerra básicamente 
se intenta bloquear los procesos alternativos en un momento 
en que Cuba responde con solidaridad y capacidad para enfren-
tar a la pandemia. El sistema no tiene una alternativa creíble, 
sus modelos están en crisis. Hay una crisis de legitimidad de la 
OEA .
8. En este momento de crisis, también hay un aumento de la con-
flictividad social y la confrontación. Protestas, movilizaciones 
en todo el mundo en la medida en que se concentra la riqueza 
excluyendo del esquema de dominación a gran parte de sec-
tores de clases trabajadoras. Aumenta la polarización porque 
sectores de grupos dominantes aprovechan el descontento 
para ubicar discursos de odio, xenófobos, racistas.
9. Se sostienen movilizaciones populares en Colombia, Perú. Hay 
procesos de lucha en Haití a pesar de todos los intentos de con-
trolar la lucha popular en ese país y otros procesos caribeños 
que vienen en fuertes resistencias aun la complejidad de tener 
al imperio tan cerca. Hay procesos de resistencia y movilizacio-
nes en Bolivia para defender el proceso asediado. 
10. Los procesos electorales pueden abrir posibilidades de inte-
gración y enfrentamiento al imperialismo norteamericano, nos 
abren posibilidades de reconfiguración en el campo de fuerzas 
regional. En este sentido son importantes la victoria sandinista 
en Nicaragua, los procesos constituyentes en Chile aun espe-
rando definición en elecciones. Ha sido importante la victoria 
de Pedro Castillo en Perú aun con el asedio al gobierno, la vic-
toria en Venezuela del chavismo en las elecciones regionales, la 
victoria de Xiomara Castro en Honduras como una victoria del 
pueblo y en Argentina el freno al avance de la derecha, porque 
se gana tiempo para disputar con un gobierno de coalición. Vie-
nen elecciones en Costa Rica, en Brasil. 
14
ii-siTuaciones específicas de algunos países relaTadas 
por los dirigenTes de alBa
1. EEUU 
 EEUU intensificarála ofensiva contra proyectos popula-
res que van ganando espacios. Sin embargo, existen condiciones 
dentro del país que favorecen un proceso de luchas colectivas 
con debates de un polo antimperialista y sensibilidad socialista 
en algunos sectores. La población comprende y toma conciencia 
de la crisis como resultado del capitalismo y de la reversión de 
derechos ganados en luchas históricas tras constantes ataques 
a la clase trabajadora. La administración de Biden no ha podido 
resolver los problemas de la población en EEUU. Ni siquiera la po-
lítica de acaparamiento de vacunas ha impedido que la COVID sea 
la tercera causa de muerte en el país.
 Hay sectores específicos que van a incrementar las luchas 
en los próximos meses en el país. Millones de personas informan 
que no han tenido para comer ni para realizar los pagos. Crecen 
luchas por el derecho a la alimentación y las luchas por el derecho 
al aborto y los derechos a las mujeres. 
 Es importante que haya un espacio para poder fortalecer 
y ampliar el polo antiimperialista dentro de los EEUU, fortalecer 
el trabajo con los jóvenes y las luchas internacionalistas, seguir 
dando la batalla en el terreno ideológico, fortalecer los procesos 
de formación política dentro del territorio y contribuir con los 
procesos en el continente y la Asamblea Internacional de los Pue-
blos para seguir avanzando y conectando la clase trabajadora de 
los EEUU con el resto del mundo. 
2. BRASIL 
 El gobierno de Bolsonaro ha agravado la crisis económica 
en el país, dejando sin trabajo a más de 15 millones de trabaja-
dores y trabajadoras. La nefasta política neoliberal adoptada por 
Bolsonaro garantiza ganancias a la burguesía brasileña al tiem-
po que agrava la crisis económica y humanitaria que enfrenta la 
mayoría de los trabajadores. El gobierno de Bolsonaro boicoteó 
las políticas de control de la pandemia, distribuyó medicamentos 
ineficaces y retrasó la adquisición de vacunas, en una clara políti-
ca de exterminio. Más de 614.000 brasileños perdieron la vida.
15
 El gobierno de Bolsonaro y sus aliados aprovecharon para 
perseguir una agenda para asegurar el avance del capital con 
el avance de contrarreformas, privatizaciones, condonación de 
deudas para grandes empresas y millonarios. incentivos para 
los bancos privados. Hay una política contra los derechos y las 
posibilidades de vida digna de los trabajadores. La gestión de la 
pandemia fue una clara política de exterminio para el pueblo bra-
sileño. Ejemplos son los Incentivos para el banco privado y los 
empresarios, la concentración de tierras, el aumento de precios 
de los servicios públicos y los alimentos, la electricidad, el gas, la 
gasolina. 
 La destrucción de las políticas para combatir la pobreza 
profundizó el panorama del hambre en las familias, especialmen-
te en los hogares encabezados por mujeres negras. Las mujeres 
son las más afectadas por el desempleo, agobiadas por el cuida-
do de los niños, los ancianos y los enfermos. La suspensión de 
programas dirigidos a pueblos rurales, forestales y acuáticos es 
una muestra más de su alianza con la agroindustria, que agrava 
aún más el escenario de inseguridad alimentaria, destrucción de 
la naturaleza y entrega de nuestra soberanía.
 Los movimientos sociales en Brasil están reaccionando. El 
año pasado hubo movilizaciones en las calles de las principales 
ciudades del país. El capítulo Brasil está presente. Sigue la lucha 
que exige Fuera Bolsonaro, ya que el juicio político es una necesi-
dad urgente. Vamos caminos a elecciones de 2022.
3.PERÚ
 Los movimientos populares dieron su respaldo a la pre-
sidencia de Pedro Castillo respaldaron que no logra un ejercicio 
contundente. Se analiza la falta de formación del liderazgo de 
Castillo y la contundencia de la derecha que arremete en un difícil 
momento donde hay una solicitud de vacancia.
 Se reconoce que es una oportunidad que haya un gobier-
no de izquierda, pero al mismo tiempo la fragilidad de Pedro Cas-
tillo es visible, y siendo un rondero, no tiene las bases ideológicas 
de las organizaciones populares dada su raíz y pertenencia do-
cente. No es un cuadro de las organizaciones populares. El movi-
miento popular está en el centro de un debate sobre si sostiene o 
no el respaldo a Pedro Castillo dado el hecho de que hay sectores 
16
de la izquierda que no se sienten representados por el presidente 
y creen que no cumple con las expectativas del momento.
 Las rondas campesinas, la mayor organización del país, lle-
gó a su sexto congreso, con cambio de la máxima autoridad de 
las rondas, en 21 de 24 regiones. De cara a la coyuntura, las ron-
das enfrentan un peligroso paralelismo a partir de la victoria de 
Castillo por la aparición de sujetos diversos con supuesta identi-
dad rondera, que nacen de un movimiento que avanza en sentido 
contrario. Se trata de neutralizar la historia de resistencia de las 
Rondas campesinas que se define como un movimiento social sin 
cooptación política.
 La derecha peruana es muy fuerte y expresa su racismo. 
Es complicado porque por un lado da muestras de consideración 
a los movimientos que lo eligieron, pero también da concesiones 
a una derecha que no lo quiere ver en el poder. 
4. VENEZUELA
 La crisis del capitalismo tiene sus particularidades en Ve-
nezuela debido al bloqueo económico, la pandemia y las contra-
dicciones internas del propio proceso. Estas tres variables se ten-
sionan en medio de la situación del país. 
 El proceso electoral para la revolución bolivariana repre-
senta uno de los escenarios en los que la revolución disputa po-
der. Hay que ver esos resultados desde una visión objetiva, sin 
triunfalismos. Si bien es cierto que hoy en día, la revolución tiene 
una mayoría electoral, se han ganado 20 gobernaciones, hay que 
dar una lectura de esa situación con una visión sobre una derecha 
más moderada que apuesta por mecanismos para disputarle el 
poder al proceso revolucionario y analizar cuantas personas sa-
lieron a votar por el chavismo, una derecha moderada que recon-
figura rostros, y gana terreno a la derecha más rancia.
 Hay que seguir trabajando en la superación de las propias 
contradicciones internas y profundizar la Revolución bolivariana. 
Los sectores de izquierda deben actualizarse y profundizar en las 
cuestiones que impactan en la economía de la clase trabajadora y 
superar la lógica del capital. Es una tarea urgente realizar una re-
volución económica y la construcción del consenso de las mayorí-
as para una nueva hegemonía.
17
5. CARIBE / HAITÍ
 El Caribe, dada su matriz económica, juega un papel im-
portante en la acumulación global y la disputa hegemónica. Se 
asiste a la ferocidad del imperialismo norteamericano que quiere 
controlar la región, por eso es todo el esfuerzo de destruir la re-
volución cubana y venezolana.
 El covid fue una coyuntura devastadora para la clase tra-
bajadora, aumento de hambre, desempleo, desplome de algunos 
sectores como el turismo. Los sectores dominantes se aprovecha-
ron de la crisis para empujar ofensivas contra los trabajadores esti-
mulando la privatización. Muchos países estamos en recesión eco-
nómica y aumento de la deuda con los organismos multilaterales.
 En Haití hay una crisis política muy grave que deja ver las 
conexiones que existen en un plan de desestabilización, desde la 
privatización de las fuerzas de seguridad al servicio de trasnacio-
nales y los planes de los servicios secretos de EEUU Se duplicó la 
cantidad de gente con hambre, el problema del desempleo se pro-
fundizó en una situación de dependencia creciente desde EEUU y 
República Dominicana. La crisis migratoria también evidenció la 
naturaleza de la dependencia e intervención imperialista.
 EEUU intenta sostener un supuesto proyecto de continui-
dad después del asesinato de Jovenel Moise.
 Frente a eso, los sectores progresistas están en un largo 
proceso de cuatro años de movilización con la intención de der-
rocar el gobierno. Hay un importante proceso de concertación 
políticamuy amplio, el Acuerdo de Montana que tiene el apoyo de 
más de 700 entidades políticas y sociales con fuerte respaldo de 
organizaciones de izquierda. Se lucha contra la continuidad del 
proyecto de la oligarquía haitiana y responder en lo inmediato 
a consecuencias del terremoto de agosto y la crisis migratoria. 
ALBA movimientos en Haití juega un papel de coordinación im-
portante en este proceso. Se proyecta la Asamblea para el 14 de 
enero. Las fuerzas democráticas en Haití están en procesos de 
lucha cotidiana frente a una crisis devastadora.
 También es importante señalar las rebeldías significativas 
en países como Guadalupe, Martinica, y Guyana. Las rebeldías de 
Guadalupe y Martinica cuestionan la matriz colonial. Por prime-
ra vez Francia tuvo que reconocer que el estatus colonial sobre 
Martinica no puede sostenerse. El movimiento en Puerto Rico 
18
también se fortalece, se han retomado agendas como el clima, la 
deuda, y luchas todos los días contra la dominación colonial.
 La fuerza de la movilización popular exige cambios políti-
cos, cambios concretos en las correlaciones de fuerzas. El capí-
tulo de ALBA ha podido realizar cinco reuniones y avanza en un 
proceso de discusión de la propuesta política de ALBA y propone 
tres aportes para fortalecer los movimientos en este escenario: 
Luchar contra la dispersión de los movimientos sociales; repo-
litizar las luchas del campo popular; e introducir en la agenda 
de todas las organizaciones la solidaridad internacionalista su-
brayando la solidaridad con Cuba y Venezuela. Se reconoce es-
pecialmente el papel de los médicos cubanos en la solidaridad 
internacionalista.
 Lo que ocurre muestra la lucha entre los intentos de do-
minación total y las rebeldías múltiples. En ese escenario es im-
portante mayor intercambio entre las luchas del continente y las 
luchas del Caribe.
III-Desafíos y rutas para responder en este 
tiempo. Reacciones desde las regiones.
1.Las agendas y luchas urgentes de carácter nacional que incluyen 
importantes procesos de cambio en algunos países resultan en 
distintos niveles de movilización y en la dificultad de colocar la 
visión del proceso de ALBA en las organizaciones. Es urgente 
fortalecer el proceso de ALBA en las organizaciones de base, 
asumir la lucha internacionalista desde abajo
2.Se reconoce la importancia de trabajar la experiencia común de 
los procesos constituyentes y los debates sobre democracia y 
poder popular, en la región de Andes, que pudiera ser un eje 
concreto para intencionar la articulación.
3.Dar la disputa digital y nuevas tecnologías. Sabemos cómo dar 
la batalla en la calle, podemos disputar los Estados, tenemos 
experiencia en defendernos del enemigo en términos de de-
rechos humanos, pero necesitamos mayor comprensión de 
lo que implica la batalla digital para más eficiencia frente a la 
criminalización. Necesitamos tener más formación en Nuevas 
19
tecnologías y disputa digital comunicacional y contrarrestar el 
accionar del enemigo 
4.El avance de las tendencias neofascistas que aparecen con Bol-
sonaro, Kats, el fujimorismo debe ser mejor comprendido y 
desde el sur puede hacerse ese aporte, incluyendo el análisis 
de las deudas externas, y la precarización del trabajo como ele-
mentos propios de la ofensiva del capital.
5.Desde el Caribe se puede profundizar en diversas formas de 
ocupación, que van más allá del bloqueo sobre el que hay que 
investigar más.
6.Impulsar una lucha contra la fragmentación de los movimien-
tos, viendo agendas comunes de lucha, contra las trasnaciona-
les, la deuda, la crisis ambiental, la militarización y por la solida-
ridad entre los pueblos.
7.Continuar sumando más países caribeños en ALBA. Para esto 
hay que asumir más responsabilidad de las colonias en el Ca-
ribe, dar seguimiento a la reflexión sobre el carácter de la Re-
publica en Barbados, al tema de la dependencia y a las luchas 
anticolonialistas en la región.
7.Construir la Patria Grande desde todos nuestros territorios. Lo-
grar una articulación política más efectiva con Mesoamerica 
(Centroamerica) 
8.Continuar la Formación de acuerdo a las perspectivas y nece-
sidades de cada región. Impulsar Seminarios caribeños de for-
mación política.
9.Es prioridad una agenda común de lucha antimperialista y anti-
colonial en el Caribe
10.Desde Norteamérica es necesario lograr una forma de articu-
lación política con Centroamérica y las luchas del Caribe. Falta 
una agenda política común. La cuestión migrante pone escena-
rios muy complicados. 
11.Un desafío general es el fortalecimiento y ampliación de los ca-
pítulos nacionales y seguir creciendo como movimientos.
20
21
* Este texto resume algumas considerações e propostas do livro a ser publicado em 
2022, intitulado O decênio decisivo. As escolhas pela sobrevivência. São Paulo, Edi-
tora Elefante. 
colapso socioamBienTal ou mudança 
de civilização. o decênio decisivo*
— Luiz Marques —
3. 
22
 Desde os anos 1950, entramos numa nova época geológi-
ca, o Antropoceno, caracterizada pelo fato de que os impactos 
ambientais causados pela economia globalizada – sobretudo a 
queima de combustíveis fósseis, a mineração, a poluição indus-
trial, a agroquímica e o agronegócio – moldam o sistema Terra de 
modo mais decisivo do que os fatores naturais. 
 Mortes e sofrimento humano e de outras espécies de-
correntes dos impactos dessa fase mais deletéria do capitalismo 
globalizado são crescentes e já catastróficos. Os cientistas cate-
gorizam agora a Terra como um planeta tóxico1. De fato, como 
faz notar Julian Cribb, “a Terra, e toda a vida nela, estão sendo sa-
turadas com produtos químicos feitos pelo homem em um even-
to diferente de tudo que ocorreu em todos os quatro bilhões de 
anos da história do nosso planeta2”. O lixo e seus agentes into-
xicantes tornaram-se onipresentes nos organismos, na superfície 
do planeta, no ar, nos rios e lagos, nos aquíferos e nos oceanos. 
Nos últimos 70 anos, a produção de polímeros aumentou quase 
200 vezes, passando de 2 milhões de toneladas (Mt) em 1950 para 
368 Mt em 20193. Segundo Roland Geyer, Jenna Jambeck e Kara 
Lavender Law4, até 2015 haviam sido produzidas 8,3 bilhões de 
toneladas (Gt) de plásticos “virgens”, o que gerou 6,3 Gt de lixo 
plástico, dos quais apenas 9% haviam sido reciclados, 12% haviam 
sido incinerados e 79% dispersos nos mais diversos ambientes. 
Plásticos permanecem na natureza por séculos, fragmentando-
-se muitas vezes em microplásticos, que conservam todas as suas 
propriedades tóxicas. Um dos sintomas da ubiquidade do plásti-
co no planeta é o fato de que, em 2018, mais de 50% da população 
1. Cf. “Scientists categorize Earth as a toxic planet”. Phys.org, 7/II/2017. Veja-se também André 
Cicolella, Toxique planète. Le scandale invisible des maladies chroniques, Paris: Seuil, 2013.
2. Cf. Julian Cribb, Surviving the 21st Century, Springer 2017.
3. Cf. Chunyan Wang et al., “Critical review of global plastics stock and flow data”. Journal of 
Industry ecology, 25, 5, 9/IV/2021, pp. 1300 - 1317.
4. Cf. Roland Geyer, Jenna R. Jambeck e de Kara Lavender Law, “Production, use, and fate of all 
plastics ever made”. Science Advances, 3, 7, 19/VII/2017. Veja-se também PNUMA, Single-
-use plastic. A road for sustainability, 2018.
23
mundial já podia ter 11 tipos de microplástico em suas fezes5. 
 O plástico é apenas um exemplo entre milhares de outras 
fontes de poluição químico-industrial. Em 2015, a Agência Euro-
peia de Substâncias Químicas (ECHA) elencava a existência de 
144 mil diferentes substâncias químicas industriais registradas ou 
em fase de registro para uso no mercado. O número dessas subs-
tâncias continua crescendo e poluindo as águas, os solos, o ar e 
os organismos. Apenas para dar um exemplo, a OMS reporta a 
contaminação do leite materno por 22 pesticidas e substâncias 
químicas em mais de 70 países, incluindo os EUA, 15 países euro-
peus, Brasil, China, Rússia, Índia, Austrália e numerosos outros 
países asiáticos e africanos6.A atmosfera tornou-se hoje uma 
arma apontada contra a saúde das sociedades. Em Setembro 
de 2021, uma declaração de Tedros Ghebreyesus, diretor-geral 
da OMS, ilustra o que está em jogo: “Por causa da poluição at-
mosférica, o simples ato de respirar contribui para 7 milhões de 
mortes por ano7”. Hoje, 9 entre 10 pessoas no planeta respiram 
um ar poluído, milhões de humanos e de outros animais morrem 
prematuramente por causa da queima de biomassa e de combus-
tíveis fósseis, da proliferação de pesticidas e demais substâncias 
tóxicas oriundas da indústria química.
5. Cf. Philipp Schwabl et al., “Assessment of microplastic concentrations in human stool”. Uni-
ted European Gastroenterology (UEG), 23/X/2018. 
6. Cf. Cribb, cit. (2017).
7.Cf. “New Study Shows Air Pollution Worse Than Scientists Thought”. BBC, 23/IX/2021.
24
1. Aumento da desigualdade global
 Quem tenta ir além desses números catastróficos, quem 
tenta encontrar o fundo do problema, não tem dificuldade em 
encontrar a máquina moedora de florestas e propulsora do co-
lapso socioambiental em curso. Trata-se da economia globaliza-
da, estruturalmente voltada para atender à demanda dos 10% 
mais ricos da humanidade e cuja razão de ser é dada pelo binômio 
crescimento constante e acumulação de capital. O que o capita-
lismo globalizado tem a oferecer hoje ao planeta é uma máquina 
exterminadora de natureza e de produção de desigualdade. A de-
sigualdade é não apenas o motor fundamental do agravamento das 
crises socioambientais acima evocadas, mas é também o principal 
obstáculo para atacar de modo consequente essas crises. 
 “Redução das desigualdades” é, como se sabe, o 10º dos 
17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Desde os anos 
1980 estamos caminhando em sentido diametralmente oposto a 
este objetivo, sobretudo no que se refere à desigualdade socioe-
conômica. Os ricos são os grandes responsáveis pela emergência 
climática e demais crises ambientais. Os 10% mais ricos da huma-
nidade (771 milhões de indivíduos) foram responsáveis por 48% 
dos gases de efeito estufa emitidos em 20198. Do outro lado da 
balança, os 50% mais pobres da humanidade (3,8 bilhões de indi-
víduos) respondem apenas por 12% dessas emissões, ou quatro 
vezes menos que a média global. Entre 1990 e 2020, as emissões 
de gases de efeito estufa (GEE) do 1% mais rico aumentaram mais 
rapidamente do que em qualquer outro grupo, ao passo que as 
emissões de GEE dos 50% mais pobres aumentaram apenas de 1,2 
a 1,6 tonelada de per capita no período. 
 8. Cf. Lucas Chancel, Climate Change and the Global Inequality of Carbon Emissions, 1990 - 
2020. World Inequality Lab, X/2021.
25
2. Aumento da insegurança alimentar e da fome
 Um dos efeitos mais dramáticos do aumento da desigual-
dade é o aumento da insegurança alimentar. Desde o segundo 
pós-guerra, os movimentos sindicais e, em geral, a sociedade ci-
vil organizada foram capazes de conquistas sociais importantes, 
entre as quais a diminuição global da insegurança alimentar. Mas 
desde 2015, a fome e a insegurança alimentar voltaram a crescer, 
inclusive, mais uma vez, nos países ricos. Segundo estimativas da 
FAO de 2021, a insegurança alimentar global atinge hoje números 
espantosos9: 
“A insegurança alimentar moderada ou grave (...) em nível glo-
bal tem aumentado lentamente, de 22,6% em 2014 para 26,6% 
em 2019. Então, em 2020 (...) ela aumentou quase tanto quan-
to nos cinco anos anteriores combinados, para 30,4%. Assim, 
quase uma em cada três pessoas no mundo não tinha acesso à 
alimentação adequada em 2020 – um aumento de 320 milhões 
de pessoas em apenas um ano, de 2,05 para 2,37 bilhões. Quase 
40% dessas pessoas – 11,9% da população global, ou quase 928 
milhões – enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, 
com quase 148 milhões de pessoas a mais com insegurança ali-
mentar grave em 2020 do que em 2019”.
 O aumento recente da fome no Brasil e a responsabilida-
de do agronegócio
 No Brasil, como se sabe, a desigualdade havia diminuído 
um pouco até 2014, graças a políticas inclusivas como o Progra-
ma Bolsa Família, o crescimento real de 71,5% do salário mínimo 
e a merenda escolar a 43 milhões de estudantes. Com tais políti-
cas, a redução da pobreza extrema chegou a cair 75% entre 2001 
e 2014 e o país foi retirado pela FAO do Mapa Mundial da Fome 
em 2014. Desde 2015, entretanto, essa tendência se inverteu e o 
Brasil apresenta desde o governo de Michel Temer e, sobretudo, 
com o governo Bolsonaro, uma das faces mais grotescas desse 
9. Cf. FAO, The state of food security and nutrition in the world 2021. Executive Summary.
26
avanço recente da desigualdade. Segundo a Oxfam10: 
“o patrimônio somado dos bilionários brasileiros chegou a R$ 
549 bilhões em 2017, num crescimento de 13% em relação ao 
ano anterior. Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres do país vi-
ram sua fatia da riqueza nacional ser reduzida ainda mais, de 
2,7% a 2%. (...) O Brasil tem hoje 5 bilionários com patrimônio 
equivalente ao da metade mais pobre da população”. 
 O agronegócio brasileiro é uma causa direta do aumen-
to da fome no país. Ele não produz alimentos, mas commodities, 
sobretudo para exportação, a preços fixados em dólar e muito 
influenciados pela especulação financeira. Segundo Paulo Peter-
sen, da Articulação Nacional da Agroecologia, “89% de todos os 
grãos produzidos no país no ano passado [2020] foram de milho 
e soja”, produtos basicamente destinados à exportação e à ração 
animal11. Assim, em dezembro de 2020, segundo pesquisa coor-
denada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguran-
ça Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN)12: 
“Do total de 211,7 milhões de pessoas, 116,8 milhões [55,2%] 
conviviam com algum grau de insegurança alimentar (leve, 
moderada ou grave). Destes, 43,4 milhões não contavam com 
alimentos em quantidade suficiente para atender suas neces-
sidades (insegurança alimentar moderada ou grave). Tiveram 
que conviver e enfrentar a fome, 19 milhões de brasileiros(as)”.
 A diminuição da fome até 2014, foi, como dito acima, uma 
conquista dos movimentos sociais e das políticas públicas no Bra-
sil e no mundo. É ainda possível retomar essa linha de progresso? 
Sim, é claro que sim, mas isso só será possível se o agronegócio 
for substituído pela agricultura genuína, e isso tanto mais porque 
o aumento impressionante da produção agrícola global nos últi-
mos 50 anos está chegando ao seu limite. Ele foi feito a um cus-
to social e ecológico altíssimo, com avanço da área agropecuária 
sobre as florestas e sobre os modos de vida das populações ori-
ginárias, uso maciço de agrotóxicos, de fertilizantes industriais e 
10. Cf. Oxfam, “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, 2018.
11. Cf. Vivian Souza, “Recordes no agronegócio e aumento da fome no Brasil.” G1, 11/VIII/2021.
12. Cf. Rede PENSSAN, “Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil” 2021, p. 35.
27
de novas tecnologias de irrigação e cultivo ecologicamente insus-
tentáveis. Os danos causados à biosfera e o aquecimento global, 
alterando os padrões meteorológicos, cobram agora seu preço. 
Eles já diminuem a produtividade agrícola per capita e podem di-
minuí-la em termos absolutos nos próximos anos. Uma pesquisa 
conduzida pela NASA sugere que a produção de milho e de trigo 
pode ser afetada negativamente pela emergência climática já em 
203013. Trata-se de um resultado consistente com uma pesquisa 
de 2017, segundo a qual a emergência climática impactará tam-
bém a produção de arroz e soja. Juntos, esses quatro cultivos for-
necem dois terços das calorias na alimentação humana global14. 
3. Emergência climática e aniquilação da 
biodiversidade
 Até agora, falamos de impactos diretos – poluição, pobre-
za e insegurança alimentar –, sentidos no dia a dia dos setores 
mais vulneráveis da sociedade. Mas é preciso falar também das 
ameaças sistêmicas. Se a poluição adoece e mata, se a desigual-
dade desumaniza e atinge as pessoas em sua dignidade e em seus 
direitos mais elementares, a emergênciaclimática e a aniquilação 
da biodiversidade representam a mais letal ameaça à habitabili-
dade do planeta. O clima planetário está se desestabilizando e a 
teia da vida, da qual dependemos existencialmente, está sendo 
rapidamente esgarçada pela economia globalizada. 
 A queima de combustíveis fósseis e o gigantesco rebanho 
global de ruminantes destinado à alimentação humana vêm lan-
çando anualmente na atmosfera, em conjunto, mais de 57 bilhões 
de toneladas de gases de efeito estufa (sobretudo dióxido de 
carbono, metano e óxido nitroso, ou CO2, CH4 e N2O). Por cau-
sa dessas emissões, aumentam sempre mais as concentrações 
atmosféricas desses gases, que absorvem e aprisionam energia 
13. Cf. “Falling for corn”. Earth observatory. Nasa, 18/X/2021. Veja-se também o artigo de Jonas 
Jägermeyr et al., “Climate impacts on global agriculture emerge earlier in new generation 
of climate and crop models”. Nature Food, 2, 1/XI/2021.
14. Cf. Chuang Zhao et al., “Temperature increase reduces global yields of major crops in four 
independent estimates”. PNAS, 15/VIII/2017, pp. 9326-9331.
28
calorífica no sistema Terra, causando um crescente desequilíbrio 
energético no planeta. Esse desequilíbrio é a diferença entre o 
montante relativamente constante de energia solar incidente em 
nosso planeta e a dissipação cada vez menor dessa energia para 
fora do sistema Terra, na forma de ondas longas (radiação infra-
vermelha) por causa justamente do crescente excesso desses ga-
ses de efeito estufa na atmosfera. O desequilíbrio energético da 
Terra é, hoje, da ordem de cerca de 1 Watt por metro quadrado 
(W/m2). Para entender o que esse ganho de energia suplemen-
tar significa ele é o equivalente a explodir 4 bombas atômicas da 
potência da bomba de Hiroshima por segundo desde 1998. Isso 
é o que o planeta Terra está ganhando em termos de energia tér-
mica suplementar a cada segundo. Esse desequilíbrio energético 
já acumulado está se agravando dia a dia à medida que mais e 
mais gases de efeito estufa são emitidos pela crescente queima 
de combustíveis fósseis e pela destruição das florestas. 
 Os impactos da emergência climática são também cada 
vez mais evidentes, como bem alerta um relatório da Estratégia 
Internacional das Nações , Unidas para a Redução de Desastres 
(UNISDR)15: 
“Entre 1998 e 2017, desastres geofísicos relacionados ao clima 
mataram 1,3 milhão de pessoas e deixaram 4,4 bilhões de pes-
soas feridas, sem casa, deslocadas ou necessitadas de assis-
tência de emergência. (...) 91% de todos esses desastres foram 
causados por inundações, tempestades, secas, ondas de calor 
e outros eventos meteorológicos extremos”.
 A expansão térmica das águas e o degelo terrestre está 
elevando o nível dos oceanos a uma taxa média de 5 mm por ano. 
Em 2030, essa elevação deve atingir provavelmente entre 13 cm 
e 21 cm acima do nível de 2000, o que ameaçará a infraestrutura 
urbana, além de destruir mangues e salinizar deltas e aquíferos. 
A crescente escassez hídrica resultante desse aquecimento e do 
uso insustentável da água pela mineração e pelo agronegócio 
globalizado deve afetar gravemente um terço da humanidade ao 
longo do próximo decênio, criando até 2030 um déficit de 40% 
15. Cf. UNISDR, Economic Losses, Poverty & Disasters, 1998-2017, realizado em conjunto e a 
partir do banco de dados do Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) 
da Université Catholique de Louvain, creditado pela OMS.
29
entre oferta e demanda de água16. Dados colhidos desde 2003 
pelo satélite GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment) 
mostram que um terço dos 37 maiores aquíferos do mundo já 
estão em fase avançada de esgotamento, posto não serem re-
gularmente realimentados pela chuva, e 21 deles estão em declí-
nio, sobretudo na Índia, China, EUA, vários países da África e da 
Europa e o aquífero Guarani, no Brasil. Hoje, “quase 5 bilhões de 
pessoas vivem em áreas onde ameaças à segurança hídrica são 
prováveis17”. 
 No que se refere à biodiversidade, os serviços prestados 
pelos ecossistemas estão cada vez mais ameaçados. Uma revisão 
publicada na revista Science em 2016 mostra que 82% de 94 pro-
cessos ecológicos que suportam a vida no planeta (32 em ecos-
sistemas terrestres, 31 em ecossistemas marinhos e outros 31 em 
ecossistemas de água doce), analisados na literatura científica, 
estão sofrendo impactos das mudanças climáticas18. Isso é, sa-
bidamente, apenas o começo. A contração da biomassa viva do 
planeta e da biodiversidade19 foi avaliada pelo mais abrangen-
te relatório sobre o estado atual da biodiversidade, lançado em 
2019 pelo IPBES20. Eis uma de suas conclusões centrais21: 
16. Cf. Y. Siddiqi, “Empty reservoirs, dry rivers, thirsty cities – and our water reserves are running 
out”. The Guardian, 27/III/2017.
17. Cf. M. Rodell et al., “Emerging trends in global freshwater availability”. Nature, 557, 
31/V/2018.
18. Cf. Brett R. Scheffers et al., “The broad footprint of climate change from genes to biomes to 
people”. Science, 354, 6313, 11/XI/2016.
19. “Diversidade biológica significa a variabilidade dos organismos vivos de qualquer origem, 
compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossiste-
mas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais eles fazem parte. Isso compreende 
a diversidade no seio das espécies e entre as espécies, bem como a dos ecossistemas” 
(Convenção da Diversidade Biológica, 2000, p. 9).
20. IPBES é a Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre a Biodiversidade e 
os Serviços Ecossistêmicos (IPBES), estabelecida em 2012 na Cidade do Panamá por 94 
governos. Contemplando quatro regiões do mundo, o relatório foi construído ao longo 
de três anos com contribuições de mais de 550 especialistas de mais de cem países, que 
analisaram mais de 15 mil estudos e relatórios governamentais. Foi aprovado pelos gover-
nos de 132 países. Cf. Jeff Tollefson, “Humans are driving one million species to extinction”. 
Nature, 6/V/2019.
21. Cf. IPBES, “Report of the Plenary of the Intergovernmental Science-Policy Platform on 
Biodiversity and Ecosystem Services on the work of its seventh session”. Paris, 4 de maio 
de 2019, p. XVI. 
 <https://ipbes.net/sites/default/files/ipbes_7_10_add.1_en_1.pdf>. 
30
“As ações humanas agora ameaçam de extinção global mais 
espécies do que nunca. Em média cerca de 25% das espécies 
nos grupos de animais e plantas avaliados estão ameaçadas, 
sugerindo que cerca de 1 milhão de espécies já correm risco de 
extinção, muitas ocorrendo em décadas, a menos que se to-
mem medidas para reduzir os fatores que impulsionam a perda 
de biodiversidade. Sem essa ação, haverá uma nova aceleração 
na taxa global de extinção de espécies, que já é pelo menos 
dezenas a centenas de vezes maior do que a média nos últimos 
10 milhões de anos”. 
 Essas extinções ou ameaças crescentes de extinção de-
correm primariamente da extrema antropização dos espaços 
planetários, várias vezes destacada, e recentemente pelo IPBES: 
“75% da superfície da Terra [não coberta de gelo] está significati-
vamente alterada, 66% da área oceânica está sofrendo impactos 
crescentes e cumulativos e mais de 85% das áreas úmidas foram 
perdidas22”. Sempre segundo o IPBES, mais de 500 mil, ou seja, 
cerca de 9% das 5,9 milhões de espécies terrestres, “não têm 
mais habitat suficiente para sobrevivência a longo prazo e estão, 
portanto, condenadas à extinção, muitas delas no horizonte de 
décadas, a menos que seus habitats sejam restaurados23”. A úl-
tima atualização da Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas de 
Extinção, da União Internacional para a Conservação da Nature-
za (IUCN versão 2021-2022), corrobora essa avaliação, ao mostrar 
que 28% das espécies – mais de 38.500 entre as 138.300 avaliadas 
– correm risco de extinção.
 Ainda no que se refere à biodiversidade, entre 1970 e 
2016, as populações dos vertebrados silvestres (não destinados à 
alimentação humana) diminuíram em média 68%. Na América La-
tinae no Caribe, a diminuição dessas populações foi de 94% nesse 
mesmo período, uma catástrofe sem paralelo na história huma-
na. As sociedades estão vivenciando um evento de aniquilação 
da fauna silvestre e de extinção em massa de espécies, vitima-
das, sobretudo, pela poluição e destruição de seus habitats, pelo 
22. Cf. Sandra Díaz, Josef Settele, Eduardo Brondízio (coord.), IPBES, Summary for policymakers 
(Advance Unedited Version), 6/V/2019. A mesma avaliação foi externada por Sir Robert 
Watson, “Biodiversity on the brink: We know it is crashing”. In Living Planet Report 2020. 
Bending the curve of biodiversity loss, p. 12.
23 . Cf. Díaz, Settele, Brondízio, IPBES, Summary for Policymakers, cit., 2019, p. 13.
31
avanço do agronegócio, da mineração e do garimpo sobre as flo-
restas, que desaparecem e se degradam em velocidade crescen-
te sob a ação conjugada do fogo e das motosserras. 
 Alguns apelidam o Antropoceno de Piroceno (a época do 
fogo), dada a crescente destrutividade dos incêndios florestais 
em todas as latitudes do planeta. No Brasil, esses incêndios são 
causados sobretudo pelo agronegócio. Perdas catastróficas de 
biodiversidade estão ocorrendo sob nossos olhos. Em 2014, se-
gundo o IBGE, o país (considerado ainda o mais exuberante de 
espécies endêmicas entre os 17 países megadiversos do plane-
ta24) contabilizava 3.299 espécies em risco de extinção, ou 19,8% 
do total de 16.645 espécies avaliadas25. Resultados preliminares 
mostram que os incêndios de cerca de 40 mil km2, provocados 
por fazendeiros, apenas no Pantanal e apenas entre Janeiro e 
Novembro de 2020, causaram a morte imediata por calcinação 
de 17 milhões de vertebrados26. As mortes sucessivas da fauna 
por perda de habitat não foram ainda estimadas, mas não devem 
ser menores. E não apenas dos vertebrados. Também os inver-
tebrados e em especial os polinizadores estão sendo atacados, 
o que pode ter consequências catastróficas. “Nas comunidades 
tropicais, 94% das plantas são polinizadas por animais27” e todos 
os vetores de destruição acima mencionados, aos quais se devem 
acrescentar a poluição atmosférica e o uso crescente de agrotó-
xicos pelo agronegócio, estão produzindo um dramático declínio 
dos polinizadores no Brasil. Agindo sobre esses fatores, as mu-
danças climáticas devem causar, ao longo do século, no Brasil, 
“um declínio de polinizadores agrícolas em aproximadamente 
90% dos municípios28”. 
24. Cf. Russell A. Mittermeyer, “Primate Diversity and the Tropical Forest Case Studies from 
Brazil and Madagascar and the Importance of the Megadiversity Countries”. In, E.O. Wilson 
& F.M. Peter, Biodiversity, 1988, cap. 16; Russel A. Mittermeier, Gil Robles, & C.G. Mit-
termeier, Megadiversity: Earth’s Biologically Wealthiest Nations, 1999; “Biodiversity A-Z”. 
UNEP/WCMC <https://www.biodiversitya-z.org/content/megadiverse-countries.pdf>.
25. Cf. Ana C. Campos, “IBGE: Brasil tinha 3.299 espécies em risco de extinção em 2014”. Agên-
cia Brasil, 5/XI/2020.
26. Cf. Daniel Ito, “Pantanal: Estudo aponta morte de 17 milhões de animais em queimadas”. 
Agência Brasil EBC, 16/IX/2021.
27. Cf. Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e Rede Brasi-
leira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP), Relatório Temático sobre Polinização, Po-
linizadores e Produção de Alimentos no Brasil, 2018.
28. Vide nota precedente, p. 35.
32
3. A Amazônia está sob ataque e seu destino se 
define neste decênio
 Desde 1970, a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal torna-
ram-se o alvo da guerra de extermínio das florestas e de seus po-
vos deflagrada pelos ditadores. Ao todo, o Brasil perdeu mais de 
2 milhões de km2 de sua cobertura vegetal nativa, algo como um 
quarto de todo seu território, e isso apenas nos últimos 50 anos!! 
Nenhum país ou território do planeta em nenhum momento da 
história humana destruiu de modo tão fulminante os sustentácu-
los da vida em nosso planeta. Em outras palavras, nenhum país 
do mundo rivaliza com o Brasil em termos de intensidade (rela-
ção escala/tempo) de desmatamento: 1. mais de 800 mil km2 de 
corte raso da floresta amazônica ou 20% de sua área antes cober-
ta por florestas; 2. mais de 1 milhão de km2 de vegetação primária 
do Cerrado ou cerca de 50% da área desse bioma biologicamente 
riquíssimo; 3. cerca de 150 mil km2 de floresta da Caatinga, entre 
1985 e 2020, o que representa uma contração de 26% da área des-
sa floresta em relação a 1985, sacrificada ao avanço do agronegó-
cio. A desertificação está agora avançando sobre esse bioma29. 
Enfim, entre 1985 e 2020 foram suprimidos mais 519.363 hectares 
(5.193 km2) de vegetação nativa da Mata Atlântica, o que torna 
sempre maiores os riscos de colapso dos serviços ecossistêmicos 
– entre os quais a disponibilidade hídrica – de que dependem 70% 
da população brasileira que vive nesse território30. Um recente 
inventário das espécies de aves, por exemplo, realizado à luz 
das últimas versões da Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas 
(IUCN), conclui que na Mata Atlântica31: 
29. Cf. MapBiomas (2021), “Desmatamento, queimadas e retração da superfície da água 
aumentam o risco de desertificação da Caatinga.” 
<https//mapbiomas.org/desmatamento-queimadas-e-retracao-da-superficie-da-agua-
-aumentam-o-risco-desertificacao-da-caatinga>
30. Cf. SOS Mata Atlântica, INPE, Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. Perío-
do 2019-2020. Relatório Técnico. São Paulo, 2021, pp. 8 e 43.
31. Cf. Pedro F. Develey & Benjamin T. Phalan, “Bird Extinctions in Brazil’s Atlantic Forest and 
How They Can Be Prevented”. Frontiers in Ecology and Evolution, 13/V/2021..
33
“entre cinco e sete espécies de pássaros foram provavelmente 
levadas à extinção na natureza neste bioma nas últimas déca-
das, além de outras duas espécies que ocorreram em outras 
partes do Brasil. Essas extinções foram o resultado da perda 
de habitat em combinação com outras ameaças. Outras nove 
espécies de aves da Mata Atlântica estão criticamente ameaça-
das, além de seis de outras partes do Brasil”.
 Em particular, a Amazônia está sendo destruída, agora, 
por ataques conjugados conduzidos pelo governo Bolsonaro e 
pela casta de parasitas e negacionistas que o apoia, a começar 
pelos militares, que voltaram a assumir protagonismo ideológi-
co na destruição do país. Eis o que mudou essencialmente desde 
2019: com os governos civis anteriores, a devastação da flores-
ta era considerada um “efeito colateral” dos programas de go-
verno. Mas a par dessa destruição, criaram-se ao longo dos anos 
1990 uma estrutura mínima de governança para coibir a destrui-
ção generalizada, de modo que o ecocídio ocorrido nos anos 
1985-2016 decorria basicamente da negligência e da cumplicidade 
dos governantes com os devastadores. Com Bolsonaro, o ecocí-
dio retoma a agenda militar da “segurança nacional” dos anos 
1970, vale dizer, que a perda de floresta não é mais um “efeito 
colateral” a ser minimizado. Ela é agora, novamente, o inimigo a 
abater e sua destruição é considerada um fato positivo, uma das 
metas centrais da agenda de Bolsonaro. E qualquer resistência a 
essa Blitzkrieg por parte das vítimas, que ainda ousam habitar em 
íntima e não destrutiva interação com as florestas e demais co-
berturas vegetais nativas no Brasil, encontra o braço armado do 
agronegócio, da mineração e do garimpo: seus jagunços e suas 
polícias militares. A Figura 1 mostra, claramente, a retomada da 
política de extermínio da floresta amazônica desde 2015.
34
 Figura 1 – Desmatamento da Amazônia Legal 
Brasileira entre 1988 e o período Agosto-Julho de 
2021. Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas 
Espaciais (INPE), 2021
https://projetocolabora.com.br/ods13/inpe-desmatamento-na-amazonia-
-cresceu-22-em-um-ano/
 Sob os dois governos de Lula e os dois primeiros anos 
do mandato de Dilma Rousseff, o desmatamento recua em 2012 
(Agosto de 2011 – Julho de 2012) para 4.571 km2. Ainda era, ob-
viamente, um nível inaceitável de destruição florestal, mas era omínimo histórico desde 1970. As perspectivas eram boas! A partir 
de 2012, contudo, com o novo Código Florestal e com a capitu-
lação de Dilma Rousseff às pressões do agronegócio, sacramen-
tada em sua aliança com Kátia Abreu, o desmatamento volta a 
crescer. Entre 2013 e 2016, o desmatamento atinge a média de 
6.250 km2 por ano. A partir de 2017, ele decola e com Bolsonaro, 
volta a explodir: 10.129, 10.851 e 13.235 km2, somando 34.215 km2 
de perda por corte raso da floresta amazônica, apenas nos três 
anos de Bolsonaro, uma área maior que a do estado de Alagoas 
(27.848 km2). 
 A defesa da Amazônia é uma trincheira fundamental da 
resistência, talvez a mais estrategicamente decisiva de nossos 
dias, e não apenas na América do Sul, mas no mundo todo. De 
fato, a maior floresta tropical do mundo constitui um elemento 
crítico do sistema Terra e suas interações com outros elementos 
35
críticos desse sistema são de imensa importância para o equilíbrio 
do sistema climático global32. A Amazônia é, por assim dizer, o fiel 
da balança do mundo. Para onde ela se inclinar, o mundo se incli-
nará. Em nenhuma outra frente de batalha pela sobrevivência da 
biosfera e, portanto, das sociedades humanas é tão verdadeira a 
percepção de que estamos vivendo o decênio decisivo quanto no 
caso da Amazônia. O desmatamento, os incêndios, a degradação 
da floresta e o próprio aquecimento global converteram a parte 
leste e sudeste da floresta amazônica de sumidouro em fonte de 
emissões de carbono, como recentemente demonstrado por Lu-
ciana Gatti e colegas num trabalho de grande impacto, publicado 
em 202133. Isso significa que a mortalidade das árvores já supe-
ra seu crescimento e sua renovação. A floresta está morrendo 
nessas áreas. Sua sobrevivência está agora por um fio e, desde 
2019, esse fio está sendo roído com redobrada voracidade por 
seus maiores predadores: o agronegócio, o garimpo, as madeirei-
ras, as empreiteiras, a mineração, a exploração de gás e petróleo 
pela Petrobrás, pela Rosneft e outras corporações de combustí-
veis fósseis, além dos bancos que irrigam as muitas frentes dessa 
guerra relâmpago contra a natureza. 
 Uma palavra sobre os bancos é necessária. O agronegó-
cio arrasa as florestas, mas o nervo dessa guerra contra a natu-
reza é, como em todas as guerras, o setor financeiro. Um relató-
rio publicado pela ONG Forests & Finance em 2020 mostra que 
os bancos brasileiros são, numa palavra, os principais credores 
do desmatamento. Entre 2013 e Abril de 2020, os bancos finan-
ciaram atividades de alta exposição a riscos de desmatamento 
das florestas tropicais no valor de US$ 249 bilhões. Desse total, 
o Banco do Brasil financiou US$ 29,9 bilhões, o Bradesco, US$ 7,5 
bilhões e o Itaú, US$ 4,4 bilhões. A Figura 2 mostra os 10 bancos e 
32. Cf. Timothy M. Lenton et al. “Tipping elements in the Earth's climate system”. PNAS, 105, 
12/II/2008; Will Steffen et al., “Trajectories of the Earth System in the Anthropocene”. 
PNAS, 9/VIII/ 2018.
33. Cf. Luciana V. Gatti et al., “Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate 
change”. Nature, 595, 14/VII/2021; Scott Denning, “Southeast Amazonia is no longer a 
carbon sink”. Nature, 595, 15/VII/2021. 
36
investidores com a maior exposição financeira em empréstimos 
e subscrições para empresas do setor de desmatamento no Su-
deste Asiático, África e Brasil, entre 2016 e Abril de 2020. Como se 
vê, a pecuária bovina e a soja no Brasil recebem invariavelmente 
a parte do leão nesses financiamentos. 
Figura 2 - Os 10 bancos e investidores com a maior 
exposição financeira em empréstimos e subscrições 
para empresas do setor de desmatamento no 
Sudeste Asiático, África Central e Ocidental e Brasil, 
entre 2016 e Abril de 2020, em bilhões de dólares, 
segundo os setores beneficiados: óleo de palma em 
marrom, celulose em azul, gado em vermelho, soja 
em amarelo, borracha em cinza e verde em 
madeira.
Fonte: Sue Branford, Thaís Borges e Diego Rebouças, “Brazilian and internatio-
nal banks financing global deforestation”. Forests & Finance, 5 de novem-
bro de 2020 <https://forestsandfinance.org/>.
37
4. Conclusão
 
 Quanto mais amplos os dados e mais consolidado se tor-
na o consenso científico sobre a aceleração dos desequilíbrios 
planetários, mais o capitalismo globalizado se revela uma engre-
nagem exterminadora e uma monstruosidade moral. Seu funcio-
namento “normal” – e perfeitamente consciente de seus danos 
– destrói hoje em escala ainda maior que as guerras tecnológicas 
do século XX. Se pretendem manter viva a esperança de sobre-
viver, é chegado o momento, para o sistema político e para as 
sociedades como um todo, de se guiar pelo exemplo dos jovens, 
dos povos originários, dos diversos movimentos sociais e, junto 
com eles, empenhar-se na construção de alternativas sistêmicas 
ao capitalismo globalizado. 
 A irresponsabilidade dos governantes e sua subserviência 
às elites econômicas é cada vez mais indubitável. Os “mercados”, 
as corporações, o setor privado, seus economistas, com sua men-
talidade expansionista e seu blá-blá-blá “sustentável”, não são 
parte da solução; são, ao contrário, a essência do problema. Jef-
frey Sachs, um grande economista, é o primeiro a reconhecê-lo34: 
“Conheço os principais líderes de Wall Street. Não pensam na 
sociedade. Pensam na riqueza deles. Isso não vai mudar em 
qualquer momento próximo. (...) A reforma não virá de dentro. 
Virá quando as pessoas e a sociedade chegarem à conclusão 
que essa não é uma boa maneira de se organizar a sociedade”.
 Mudar de civilização é, portanto, preciso. E é preciso, 
aqui e agora. Não há mais tempo a perder. Isso implica, para as 
sociedades se insurgir contra o sistema econômico globalizado, 
representado, sobretudo, e não apenas no Brasil, pela produção 
de combustíveis fósseis, pelo agronegócio, pela mineração e 
pelo sistema financeiro que controla os investimentos estratégi-
cos dos recursos da sociedade. Contribuir para esta insurgência 
é o papel de todos os cidadãos da grande República de Gaia que 
precisamos construir democraticamente sobre os escombros 
34. Cf. Entrevista dada a Ricardo Lessa, “Não há futuro com Trump, afirma Jeffrey Sachs”. Valor, 
11/IX/2020.
38
dos Estados nacionais. É preciso abrir-se ao ensinamento de Gre-
ta Thunberg, por exemplo, quando afirmava na COP24, em 2018, 
acerca do sistema econômico global: “Se é tão impossível achar 
soluções no interior deste sistema, talvez devêssemos mudar o 
próprio sistema.” Mudá-lo em que sentido? Penso que toda mu-
dança capaz de assegurar a sobrevivência das sociedades deve se 
assentar em seis princípios basilares:
1. redução radical e emergencial das diversas desigualdades en-
tre os membros da espécie humana, de modo a tornar efetivo 
o princípio da igualdade de direitos consagrado na Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, de 1948;
2. afirmação dos direitos da natureza, ou seja, extensão da ideia 
de sujeito de direito às demais espécies, à biosfera e às paisa-
gens naturais, o que supõe uma redefinição de caráter filosó-
fico e espiritual da posição de nossa espécie no sistema Terra;
3. a economia permanecerá uma mentira e uma máquina mor-
tífera, se não se conceber como um subsistema da ecologia. 
Isso supõe obedecer a cinco preceitos: (a) a máxima sobrieda-
de na produção e consumo de bens e de energia; (b) a dimi-
nuição radical do consumo dos 10% mais ricos da humanidade, 
de modo a permitir a satisfação das carências dos 90%; (c) um 
sistema energético de baixo carbono; (d) uma economia tão 
circular quanto possível, com uma economia minerária minimi-
zada e condicionada à capacidade de reciclagem; (e) um sis-
tema alimentar baseado em nutrientes vegetais, produzidos 
por uma agricultura orgânica, local, variada e respeitosa dos 
habitats selvagens. Plantar soja no Cerrado e na Amazônia para 
alimentar porcos, frangos e peixes a milhares de quilômetros 
em outros continentes é o caminho mais curto e seguro para o 
colapso socioambiental.Numa palavra: a sobrevivência das so-
ciedades depende de sua capacidade de evoluir mantendo baixas 
taxas de consumo de energia e materiais.
4. ampliação das reservas naturais e um esforço concentrado de 
restauração dos biomas e da biodiversidade em geral, baseado 
no diálogo entre a melhor ciência disponível e o saber acumula-
do das comunidades tradicionais e dos povos originários;
5. desmontagem da globalização econômica, em favor de uma 
economia dos territórios, incluída a agricultura urbana.
39
6. superação do axioma retrógrado e militarista de soberania na-
cional absoluta, em favor de uma soberania nacional relativa, 
subordinada a uma governança global dotada de poder efeti-
vo, radicalmente democratizada e baseada nos territórios, úni-
ca forma de coordenar o combate às principais emergências 
globais: clima, destruição da biodiversidade, poluição, pande-
mias e insalubridade.
 Esses seis princípios constituem, a meu ver, a moldura de 
um programa de ação política concreta que incumbirá às socie-
dades, coletivamente, formular e desenvolver. Ele não será rea-
lizado, obviamente, neste decênio crucial, mas se até 2030 não 
tivermos avançado significativamente em sua direção, não ha-
verá mais tempo e capacidade para evitar o pior, sem excluir a 
possibilidade crescente de extinção de nossa espécie, a exemplo 
da extinção das centenas de milhares de outras espécies a que o 
sistema econômico globalizado está, hoje, condenando.
40
41
ecossocialismo*
— Michel Löwy35 — 4. 
35. Michael Löwy, brasileiro radicado há anos na França, é diretor de pesquisa em sociologia no 
Centre nationale de la recherche scientifique, Paris, autor de muitos livros sobre meio ambien-
te, e em especial um livro sobre o Pensamento e atualidade de Che Guevara.
* 22 Dezembro 2021, publicado no portal A Terra é redonda
 Tradução do francês por Fernando Lima das Neves
42
1. Capitalismo e crise ecológica
 
 A civilização capitalista contemporânea está em crise. 
A acumulação ilimitada de capital, a mercantilização de tudo, a 
exploração implacável do trabalho e da natureza e a catástrofe 
ecológica daí resultante comprometem as bases de um futuro 
sustentável, pondo em perigo, assim, a própria sobrevivência da 
espécie humana.
 A acumulação ilimitada de capital, a mercantilização de 
tudo, a exploração implacável do trabalho e da natureza e a ca-
tástrofe ecológica daí resultante comprometem as bases de um 
futuro sustentável, pondo em perigo, assim, a própria sobrevi-
vência da espécie humana - Michael Löwy
 O sistema capitalista, uma máquina de crescimento eco-
nômico movida por combustíveis fósseis desde a Revolução In-
dustrial, é responsável pelas mudanças climáticas e pela mais am-
pla crise ecológica do planeta. Sua lógica irracional de expansão 
e acumulação sem fim leva o planeta à beira do abismo.
 O “capitalismo verde” – a estratégia de redução do impac-
to ambiental ao mesmo tempo em que mantém as instituições 
econômicas dominantes – oferece uma solução? A inverossimi-
lhança de tal cenário de reforma política é ilustrada da maneira 
mais espantosa pelo fracasso de um quarto de século de confe-
rências internacionais – as COP – em lidar com as mudanças cli-
máticas. As forças políticas comprometidas com a “economia de 
mercado” capitalista que criaram o problema não podem ser a 
fonte da solução.
 A recente COP 26 (Glasgow, 2021), reunindo governos de 
todo o planeta, ilustra perfeitamente a impossibilidade de uma 
solução para a crise dentro dos limites do sistema. Em vez de me-
didas concretas nos próximos 5-10 anos – uma condição neces-
sária, segundo os cientistas, para evitar um aquecimento global 
superior a 1,5°C –, obtivemos promessas miríficas de “neutralida-
de de carbono” para 2050, ou mesmo (Índia), 2070… No lugar de 
compromissos precisos e quantificados de suspensão imediata 
da exploração de novas fontes de energia fóssil (carvão, petró-
leo), obtivemos promessas vagas de “redução” de seu consumo.
 Definitivamente, o defeito fatal do capitalismo verde resi-
de no conflito entre a microracionalidade do mercado capitalista, 
43
com seu cálculo míope de lucros e perdas, e a macroracionalidade 
da ação coletiva para o bem comum. A lógica cega do mercado 
resiste a uma rápida transformação energética para se afastar da 
dependência dos combustíveis fósseis: ela está em contradição 
intrínseca com a racionalidade ecológica. Não se trata de acusar 
os “maus” capitalistas ecocidas, em oposição aos “bons” capita-
listas verdes; a culpa é de um sistema ancorado numa concorrên-
cia implacável e numa corrida ao lucro no curto prazo que destrói 
o equilíbrio da natureza.
 Definitivamente, o defeito fatal do capitalismo verde resi-
de no conflito entre a microracionalidade do mercado capitalista, 
com seu cálculo míope de lucros e perdas, e a macroracionalida-
de da ação coletiva para o bem comum - Michael Löwy
Uma política ecológica que funcione no quadro das instituições 
e regras dominantes da “economia de mercado” não conseguirá 
enfrentar os profundos desafios ambientais com os quais somos 
confrontados. Os ecologistas que não reconhecem que o “pro-
dutivismo” decorre da lógica do lucro estão condenados ao fra-
casso – ou, pior ainda, a serem absorvidos pelo sistema. Os exem-
plos abundam. A falta de uma posição anticapitalista coerente 
levou a maioria dos partidos verdes europeus – especialmente na 
França, Alemanha, Itália e Bélgica – a tornarem-se meros parcei-
ros “ecorreformistas” da gestão neoliberal, ou social-liberal, do 
capitalismo pelos governos.
 Bem mais do que uma reforma ilusória do sistema, é im-
prescindível a emergência de uma civilização social e ecológica 
baseada numa nova estrutura energética e num conjunto de 
valores e estilos de vida pós-consumistas: o ecossocialismo. A 
realização desta visão não será possível sem um planejamento e 
controle públicos dos “meios de produção”, ou seja, das instala-
ções, máquinas e infraestruturas. 
 
2. Ecossocialismo e planejamento ecológico
 
 O núcleo do ecossocialismo é o conceito de planejamen-
to ecológico democrático, em que a própria população, e não o 
“mercado”, ou os banqueiros e industriais, ou um Politburo bu-
rocrático, que toma as principais decisões em relação à econo-
mia. No início da transição para este novo modo de vida, com seu 
44
novo modo de produção e consumo, alguns setores da economia 
devem ser suprimidos (por exemplo, a extração de combustíveis 
fósseis envolvidos na crise climática) ou reestruturados, enquan-
to novos setores são desenvolvidos.
 Em última análise, tal visão é inconciliável com o controle 
privado dos meios de produção. Em particular, para que o inves-
timento e a inovação tecnológica sirvam o bem comum, a toma-
da de decisão deve ser retirada dos bancos e empresas capitalis-
tas que dominam atualmente, e colocada em domínio público. 
Será então a própria sociedade, e não uma pequena oligarquia 
de proprietários ou uma elite de tecnoburocratas, que decidirá 
democraticamente que linhas de produção devem ser prioriza-
das, e que recursos devem ser investidos na educação, saúde ou 
cultura. As grandes decisões sobre as prioridades de investimen-
to – como o fechamento de todas as centrais elétricas a carvão 
ou a orientação dos subsídios agrícolas para a produção biológi-
ca – serão tomadas por votação popular direta. Outras decisões 
menos importantes serão tomadas por órgãos eleitos em nível 
nacional, regional ou local.
 Ao contrário do que alegam os apologistas do capitalis-
mo, o planejamento ecológico democrático proporciona, no fi-
nal das contas, mais liberdade, e não menos, por várias razões. 
Em primeiro lugar, oferece uma liberação das “leis econômicas” 
reificadas do sistema capitalista que acorrentam os indivíduos ao 
que Max Weber chamava de uma “gaiola de ferro”. Em segun-
do, o ecossocialismo sugere um aumento substancial do tempo 
livre. O planejamento e a redução do tempo de trabalho são as 
duas etapas decisivas para aquilo a que Marx chamava“o reino 
da liberdade”. De fato, um aumento significativo do tempo livre é 
uma condição para a participação dos trabalhadores na discussão 
e gestão democrática da economia e da sociedade. Finalmente, o 
planejamento ecológico democrático representa o exercício por 
toda uma sociedade de sua liberdade de controlar as decisões 
que afetam seu destino. Se o ideal democrático não confere po-
der de decisão política a uma pequena elite, por que o mesmo 
princípio não se aplicaria às decisões econômicas?
 Sob o capitalismo, o valor de uso – o valor de um produto 
ou serviço para o bem-estar – existe apenas a serviço do valor 
de troca, ou valor de mercado. Assim, na sociedade capitalista, 
45
muitos produtos são socialmente inúteis ou concebidos para se 
tornarem rapidamente inutilizáveis (“obsolescência programa-
da”): o único critério é a maximização do lucro. Em contrapartida, 
numa economia ecossocialista planejada, o valor de uso seria o 
único critério de produção de bens e serviços, com consideráveis 
consequências econômicas, sociais e ecológicas36.
 O planejamento se concentraria nas grandes decisões eco-
nômicas, e não em decisões de pequena escala que pudessem afe-
tar restaurantes locais, mercearias, pequenas lojas ou empresas 
artesanais. É importante notar que tal planejamento é compatível 
com a autogestão dos trabalhadores de suas unidades de produ-
ção. A decisão, por exemplo, de transformar uma fábrica de pro-
dução de automóveis numa fábrica de produção de ônibus e de 
bondes modernos seria tomada pela sociedade em seu conjunto, 
mas a organização interna e o funcionamento da empresa seriam 
geridos democraticamente por seus trabalhadores. Muito já se dis-
cutiu sobre o caráter “centralizado” ou “descentralizado” do pla-
nejamento, mas o mais importante é o controle democrático em 
todos os níveis – local, regional, nacional, continental ou interna-
cional. Por exemplo, os problemas ecológicos planetários, como o 
aquecimento global, devem ser tratados em escala mundial e, por 
conseguinte, exigem alguma forma de planejamento democrático 
mundial. Esta tomada de decisão democrática integral é o oposto 
do que é geralmente descrito, muitas vezes de forma desdenhosa, 
como um “planejamento central”, pois as decisões não são toma-
das por um “centro” qualquer, mas decididas democraticamente 
pela população envolvida, na escala apropriada.
 Um debate democrático e pluralista teria lugar em todos 
os níveis. Através de partidos, plataformas ou outros movimen-
tos políticos, propostas variadas seriam submetidas ao povo, e os 
delegados seriam eleitos em conformidade. Contudo, a democra-
cia representativa deve ser complementada – e corrigida – pela 
democracia direta, em que as pessoas escolhem – em nível local, 
nacional e, mais tarde, mundial – entre as grandes opções so-
ciais e ecológicas. Os transportes públicos devem ser gratuitos? 
Os proprietários de automóveis privados devem pagar impostos 
36. Joel Kovel, Ennemi de la nature: La fin du capitalisme ou la fin du monde? (New York, 
Zed Books, 2002), 215.
46
especiais para subsidiar os transportes públicos? A energia solar 
deve ser subsidiada para competir com a energia fóssil? A semana 
de trabalho deve ser reduzida para 30 horas, 25 horas ou menos, 
com a consequente redução da produção?
 Que garantia existe de que as pessoas tomarão decisões 
ecologicamente corretas? Nenhuma. O ecossocialismo aposta 
que as decisões democráticas se tornarão cada vez mais ponde-
radas e esclarecidas à medida que a cultura muda e a influência 
do fetichismo da mercadoria é quebrado. Uma sociedade tão 
nova não pode ser imaginada sem que a população atinja, pela 
luta, a autoeducação e a experiência social, um elevado nível de 
consciência socialista e ecológica. Em todo caso, as alternativas à 
democracia – o poder do capital financeiro ou uma ditadura eco-
lógica de “especialistas” – não são muito mais perigosas?
 O ecossocialismo aposta que as decisões democráticas se 
tornarão cada vez mais ponderadas e esclarecidas à medida que 
a cultura muda e a influência do fetichismo da mercadoria é que-
brado - Michael Löwy
 A transição do progresso capitalista destrutivo para o 
ecossocialismo é um processo histórico, uma transformação re-
volucionária permanente da sociedade, da cultura e das menta-
lidades. A realização desta transição conduz não só a um novo 
modo de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, 
mas também a um modo de vida alternativo, a uma nova civili-
zação ecossocialista, para além do reino do dinheiro, para além 
dos hábitos de consumo artificialmente produzidos pela publici-
dade, e para além da produção ilimitada de mercadorias inúteis 
e/ou nocivas ao meio ambiente. Tal processo de transformação 
depende do apoio ativo da grande maioria da população a um 
programa ecossocialista. O fator decisivo no desenvolvimento da 
consciência socialista e da consciência ecológica é a experiência 
coletiva de luta, de confrontos locais e parciais à mudança radical 
da sociedade global como um todo. 
 
3. A falsa questão do decrescimento x 
desenvolvimento
 
 A questão do decrescimento econômico tem dividido os 
socialistas e os ecologistas. O ecossocialismo, contudo, rejeita o 
47
quadro dualista do crescimento contra o decrescimento, do de-
senvolvimento contra o anti-desenvolvimento, porque ambas as 
posições partilham uma concepção puramente quantitativa das 
forças produtivas. Uma terceira posição soa mais favorável à ta-
refa a cumprir: a transformação qualitativa da economia.
 Um novo paradigma de desenvolvimento implica pôr 
fim ao flagrante desperdício de recursos sob o capitalismo, ali-
mentado pela produção em grande escala de produtos inúteis e 
nocivos. A indústria de armamento é, certamente, um exemplo 
dramático disso, porém, de modo mais geral, o principal objetivo 
de muitos dos “bens” produzidos – com sua obsolescência pro-
gramada – é gerar lucros para as grandes empresas. O problema 
não é o consumo excessivo em abstrato, mas o tipo de consumo 
que prevalece, baseado no desperdício massivo e na busca os-
tentatória e compulsiva de novidades promovidas pela “moda”. 
Uma nova sociedade orientaria a produção para a satisfação de 
necessidades autênticas, incluindo água, alimentação, vestuário, 
habitação e serviços básicos tais como saúde, educação, trans-
portes e cultura.
 É evidente que os países do Sul, onde estas necessidades 
estão longe de ser satisfeitas, devem perseguir um maior “desen-
volvimento” clássico – estradas de ferro, hospitais, sistemas de 
esgoto e outras infraestruturas. Contudo, mais do que imitarem 
a forma como os países ricos construíram seus sistemas de pro-
dução, estes países podem perseguir o desenvolvimento de uma 
forma muito mais respeitosa em relação ao ambiente, especial-
mente pela rápida introdução de energias renováveis. Enquanto 
muitos países pobres precisarão aumentar sua produção agrícola 
para alimentar populações famintas e em pleno crescimento, a 
solução ecossocialista consiste em promover métodos agroeco-
lógicos baseados em unidades familiares, cooperativas ou fazen-
das coletivas em grande escala, e não métodos destrutivos do 
agronegócio industrializado envolvendo aplicação intensiva de 
pesticidas, produtos químicos e OGMs37 .
 Ao mesmo tempo, a transformação ecossocialista poria 
fim ao odioso sistema de endividamento que o Sul enfrenta hoje 
37. Via Campesina, uma rede mundial de movimentos camponeses, que há muito tempo 
defende este tipo de transformação agrícola. Ver: https://viacampesina.org/en/. 
48
em dia em razão da exploração de seus recursos pelos países in-
dustriais avançados, bem como por países em rápido desenvolvi-
mento como a China. Em vez disso, podemos vislumbrar um fluxo 
importante de assistência técnica e econômica do Norte para o 
Sul, baseado num sentido profundo de solidariedade e no reco-
nhecimento de que os problemas planetários exigem soluções 
planetárias.
 Mas como distinguir as necessidades autênticas

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